domingo, 2 de maio de 2010

Símbolos do mês de maio



Ah, o mês de maio! Não bastasse essa luz oblíqua que faz as manhãs acontecerem assim feito epifanias e este fundo do ar friozinho, maio ainda é mês de mãe, mês de noivas, mês de Nossa Senhora….

“Maio é o mês mais feminino do ano”, me dizia um astrólogo. Tem razão, meu amigo, que não há de ser só por coincidência se terem juntado no mesmo mês tantas festas femininas!

Existem perguntas que, uma vez formuladas, funcionam feito tiros de largada: você só consegue parar quando a curiosidade é saciada, não concorda? Pois foi assim que me senti quando descobri que não sabia as razões da feminilidade do mês de maio. E lá fui eu atrás...

Maiesta, a Bona Dea
Uma busca no dicionário me ensina que a palavra maio está relacionada com Maiesta, um antiquíssima deusa dos romanos e que provavelmente estava, ela também, associada com uma outra figura divina, a Bona Dea, ou a boa deusa da fertilidade e da abundância. Maiesta era esposa de Vulcano, o deus do fogo. Nas festas em sua honra, os homens não eram admitidos. Os livros de mitologia greco-romana também falam de um festival das flores em sua homenagem e que acontecia entre abril e maio. E, como em muitas festas primitivas que celebravam a primavera, além das flores, símbolo da possibilidade de renovação da vida, os rituais incluíam muita dança e muita festa e um vento de liberdade bem sexual inspirando tudo. Vou lendo e deixando surgir uma imagem em tons de ocre, tons da terra, um campo verde-novinho...no alto da colina encharcada de sol, vejo chegar o cortejo da Bona Dea. Libertados dos andrajos sombrios do inverno, homens e mulheres em panos claros, transparentes e flutuantes, caminham rodopiando pela estradinha poeirenta. Alguns tocam alaúdes ou flautas. Trazem flores nos cabelos, amarradas nos pulsos, presas na cintura. Florália é o nome do festival. Fauna e Flora são os outros nomes das deusas. A festa da Natureza é a festa dos humanos!

Beltane, a festa da primavera
Nos países do hemisfério norte, em maio a primavera está no auge. As florálias romanas eram apenas um dos grandes festivais que marcavam a mudança da estação. Beltane ou o grande festival do fogo entre os celtas, o povo que vivia em boa parte do que hoje a gente conhece como Europa, antes da expansão do cristianismo era outro. Para estes celtas – e para os irlandeses, seus descendentes mais diretos – o verão começava entre o dia 30 de abril e 1o de maio. Mas não era só a volta do calor que os festejos de primavera celebravam. Importante também era garantir boas colheitas do trigo recém semeado. Os rituais de fertilidade traziam a festa para os campos. Os casais vão dançar em torno do mastro, símbolo da árvore sagrada. Trançando e destrançando fitas coloridas, aproximam-se e afastam-se, antecipando jogos mais ousados de sedução. Alguém lembrou dos nossos mastros de São João? Pois, nossas festas juninas, embora no inverno, guardam, sim, um restinho de sol...

Por toda parte, encenava-se sobre a terra, o mesmo ato sagrado que assegurava a vida: a germinação das sementes. Na última noite do festival, as orgias reproduziam o hierogamos, o casamento sagrado que unia o casal divino. E, repetindo o ato criador original, faziam circular a energia criativa, espalhando-a pelos campos cultivados e pelos corpos e almas de mulheres e de homens. A mágica do ritual garantia a vida vegetal e animal até o ano seguinte….

Maio, mês das noivas
Maio, mês das noivas...mesmo sem saber, talvez estejamos impregnados destas memórias. O fato é que embora hoje a gente mal nem perceba a passagem das estações, para estes nossos ancestrais, seria impensável trocar as cerimônias típicas da primavera pelas do outono e vice-versa. Cada época, tinha o gosto, os cheiros, as cores e o espírito da estação… e pronto, estamos conversados.

E para quem acha que só existe um jeito de se casar – o nosso -- surpresa: o casamento, tal como a gente conhece hoje não existe até algum momento do século 18. É o que diz o sociólogo Philippe Ariés, francês e um dos autores do livro Sexualités Occidentales. Interessantíssimo, por sinal. É lá que aprendo que até o século 9, a função do padre resumia-se a abençoar o leito nupcial, para garantir a fecundidade da “semente” do casal. Antes disso, a cena de um casamento seria mais ou menos assim: estamos na casa da moça, onde alguns parentes ou amigos aguardam. O pai da noiva convida o futuro genro para sentar-se e oferecer a ela uma taça de vinho. Maria, a noiva, bebe em silêncio. Talvez o próprio pai, talvez um tio, irmão de sua mãe convida: “Dá de beber ao teu noivo, João, como sinal de união”. Ela obedece e leva a taça aos lábios do felizardo João, que então anuncia: “Eu beijo Maria, como sinal de união”. Eles se dão as mãos e se beijam. Os presentes festejam, gritando, “eles estão casados! E que todos bebam à saúde dos dois…” Um beijo, um gole de vinho, gente querida em volta...quer coisa mais simples?

Os símbolos do casamento
Eventualmente, um ritual tão importante assim vai se enriquecendo de símbolos. Havia as flores que enfeitavam Maria com os tons e perfumes da própria primavera. E o anel que, assim como o gesto de dar as mãos, representa união, totalidade. E o costume de jogar arroz ou qualquer outro grão nos noivos também não cabe naquela cena de primavera? Abundância e fertilidade, tudo de que um casal precisa... Para afastar os maus espíritos, o cortejo que acompanhava os recém-casados até sua nova morada, fazia muito barulho – lembraram das latas amarradas atrás dos carros? E neste cenário de um maio ensolarado não podia faltar comida: pães e bolos compartilhados, promessas de unir esforços, na saúde e na doença...Símbolos-bênçãos que deveriam ajudar os noivos a atravessarem juntos muitas primaveras e muitos invernos...

Maio, de Nossa Senhora
E Nossa Senhora? Prometo falar só dela num outro artigo, mas vou contar uma historinha bem curta para vocês. Existe um costume nas aldeias de Portugal, cujas origens ninguém sabe explicar muito bem. Em algum momento entre a Páscoa e Pentecostes, ou seja, em plena primavera, os habitantes se reúnem para fazer o bodo anual contra pragas e contra a seca. “Bodo” vem do latim votum e quer dizer “promessa”. Era o nome da refeição que se servia nos casamentos. Um bodo ritual também era oferecido a Nossa Senhora da Guia ou Nossa Senhora Rainha do Céu. Em grandes fornos colocados nas praças dos vilarejos, os camponeses preparavam para esta refeição uns biscoitos, parecidos com bolos, chamados “cavacas”. E “cavacas” chamavam-se também os pães que os cananeus, do outro lado do Mediterrâneo, ofereciam à sua Senhora dos Céus, Ishtar, há milhares de anos...Coincidência? Acho que não. Não existem coincidências na memória coletiva dos homens...Agora adivinhe só de onde vêm nossa palavra “bodas”?



Adilia Belotti (belotti@ig.com).