segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Texto escrito por minha amiga Pétala Tuani

RELATO DE UMA DROGADA

Eu tinha 16 anos quando tudo começou, quando se iniciou o fim de minha vida, o início de uma morte lenta e dolorida... Tudo começou quando me vi uma adolescente, eu era capaz de fazer tudo, independente de todos. Ah, a adolescência... A fase das descobertas... Saía todas as noites para me encontrar com meus amigos, aqueles que se diziam meus amigos... Nós nos reuníamos e descobríamos coletivamente... Os mais experientes eram os líderes e os outros... Ah, os outros eram os submissos, obrigados a fazer tudo o que eles queriam... E eu? Eu sempre fui uma vassala e, embora soubesse que não era certo... O que é errado para uma adolescente reinada pelo desejo incessante da descoberta e da independência?... Mas tudo se processava de forma tão simples e tão normal, que eu acabei nem percebendo naquilo que eu me transformara... O que havia começado como uma reunião de amigos acabou se transformando em um encontro cotidiano de drogados... Eu me via tomada pela influência corrosiva deles e, de repente, como num passe de mágicas, toda a minha independência libertina se transformou em uma dependência escravizadora... E os meus amigos? Já não me lembro nem de suas faces funestas! E quando o efeito alucinante daquelas substâncias mágicas passava, eu me via sozinha, abandonada em um mundo amedrontador... A solidão era minha maior aliada, mas isso não me bastava, eu precisava de mais e mais... O vício era mais forte do que eu... Fui domada por um sentimento subjetivo, uma vontade imensurável... Estava sentada na calçada da rua (meu abrigo acalentador de todas as noites gélidas) quando, de repente, uma mulher com uma bolsa atentadora passou na minha frente... Fui tomada por uma idéia perturbadora... Sabia que não era certo, eu não tinha o direito de furtá-la... Mas foi mais forte do que eu, decretei a minha incapacidade de ser racional e, em um impulso avassalador, levantei-me, arranquei abruptamente a bolsa da mulher e corri de maneira desesperadora... Tudo a minha volta passava em câmera lenta, eu ouvia ruídos inquietantes que martelavam a minha mente... Eu corria, corria... Mas por mais que corresse sabia que não havia saído do lugar, e tentava fugir, tinha plena consciência de que a fuga seria a única solução... Mas em uma alavanca avassaladora fui puxada para a nefasta vida real, a única coisa que escutava naquele instante era o grito daquela mulher, daquela criatura, e então me dei conta do que estava acontecendo... Ela emitia um grito que massacrava a escória de racionalidade que restava em mim... (Grito: Ladrão, ladrão! Aquela drogada roubou minha bolsa!) De repente, eu fiquei paralisada, não conseguia dar um único passo, aquela mulher havia definido aquilo em que me transformara: uma drogada! Aquele ínfimo instante durou uma eternidade, me virei para ter a prova ocular daquilo que inexplicavelmente havia presumido... Eu parei, meu corpo parou, minha mente parou, tudo a minha volta permanecia estático e a única coisa visível naquela obscura cena era a mulher e um policial que vinham em minha direção... A distância era longínqua e, ao mesmo tempo, era exageradamente pequena... Não sei quanto tempo durou aquele quadro maléfico, mas foi o suficiente para ser exacerbadamente massacrante... O policial me segurou de forma abrupta, mesmo diante de nenhuma resistência, e me levou para uma delegacia, onde pude ser acalentada com todos os tipos de violência física, psicológica e moral... Eu não era mais nada nem ninguém, eu era apenas uma drogada que merecia ser maltratada e ignorada... Mas apesar de ser tudo isso, ou só isso, não havia provas concretas desses fatos para que eu fosse punida... Mas a mulher sabia, o policial sabia, o mundo compreendia a veracidade daquilo que eu era, que eu representava... Exceto duas pessoas: meus pais foram chamados à delegacia... Ah, meus pais: eles insistiam em não acreditar no que estava acontecendo... O policial explicava, relatava, codificava os fatos, mas meus pais... Eles achavam que conheciam a criatura que haviam criado, ou malcriado... Eles repetiam de forma insistente... (Mãe e Pai: A minha filha não, não é possível! Ela sempre teve tudo o que quis, a gente sempre deu tudo para ela... Ela não é uma qualquer...) Eles realmente acreditavam que haviam me dado tudo... Meus pais eram as criaturas mais ingênuas e irresponsavelmente ausentes que eu conhecia... Sempre creram que o material substituía excelentemente qualquer ação sentimental... O policial, então, usou de seu último artifício: o mais cruel e o mais preciso... Ofereceu a prova concreta do que havia acontecido: apresentou aos meus pais a filha encantadora e horripilante que possuíam... Eles custaram a crer em seus próprios olhos, mas, alimentado as suas inexoráveis aparências, resolveram tomar a decisão que suporam ser a mais correta... Eu tento crer até hoje que toda a irresponsabilidade de meus pais era fruto das suas insuportáveis ingenuidades... Eles resolveram me internar em uma clinica de recuperação... Pelo menos é assim que chamavam aquele internato de drogados abandonados e ignorados pelas suas amáveis famílias... Ah, meus pais: eles realmente achavam que estavam me ajudando... Diálogo? Gestos de afeto? Essas coisas não são possíveis para nós, eu não tinha o direito de expressar, de pedir, eu não era ninguém, era apenas uma drogada... Aquela cena foi ainda pior, eu não conseguia aceitar o que estava acontecendo... De repente, dois brutamontes adornados com seus uniformes brancos me agarraram, me sufocaram, me prenderam de maneira rude em uma camisa de força... Eu tentava me desvencilhar, mesmo consciente da irreversibilidade do resultado... Diante da resistência que eu oferecia, aqueles seres abrutalhados enfiaram uma injeção em meu braço... Eu podia sentir a substância percorrendo minha corrente sangüínea e ainda pude escutar um ruído longínquo... (Enfermeiros: É a para o seu bem, para a sua saúde!) Eu não conseguia compreender como poderiam buscar a saúde de alguém através de um mero tratamento corporal quando persistia uma mente corrosivamente doentia e depressiva... Quando acordei estava trancafiada em um quarto aterrorizante, vazio, não existia noção de tempo nem de sociedade... Eu não podia entender como as pessoas podem ser tão irracionais e rudes ao tratar de sujeitos, afinal eu ainda era um ser humano... Não suportei aceitar aquilo e consegui fugir... Escondi-me e nem sei se alguém me procurou... Naquele momento, como na maior parte de minha vida, eu não tinha mais ninguém – família, amigos... Eu estava só e agora isso bastava... O meu único companheiro era meu vício... Eu roubei muitas vezes para alimentá-lo... As drogas eram as únicas coisas que me mantinham viva e que oxidavam a minha pessoa... Não havia mais nada a fazer, não restava mais motivos para viver, para sobreviver... Sei que meu fim está chegando e agora compreendo que a morte é a melhor solução... A única pessoa que poderia me salvar foi ignorada, abandonada, esquecida, desprezada durante todos os momentos: eu mesma... Mas todos resistiram a compreender esse fato e agora não resta nada a ser feito... Tudo está perdido e aquela substância mágica que deu gênese ao meu fim, agora dará o desfecho a essa história patética e funesta rumo ao repouso eterno...

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